Quais os riscos de mandar o filho para a escola sem tomar vacina
Muitos pais se mostram relutantes em aplicar os imunizantes nos filhos, mesmo esta sendo uma determinação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
“Olá, bom dia. Você pode me ajudar? Meu filho tem quatro anos, acho que vou precisar de comprovante de vacina de covid (…) para fazer a matrícula do meu filho no EMEI. Estou desesperada.”
Essa é a mensagem de uma mãe que responde a uma publicação de venda de comprovante vacinal em um dos muitos grupos antivacina no Facebook.
A prática é muito comum, principalmente nas redes sociais, devido à dificuldade em matricular os filhos na escola por eles não possuírem vacinas recomendadas ou não estarem com a carteirinha em dia.
Esses pais “antivacina” se mostram relutantes em aplicar os imunizantes nos filhos, mesmo esta sendo uma determinação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
No Estado de São Paulo, por exemplo, a lei número 17.252 estabelece a necessidade de apresentar a carteira de vacinação, tanto nas escolas da rede pública quanto na particular.
Mas não são todos os Estados que seguem essa recomendação. Recentemente, no início do mês de fevereiro, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), dispensou o cartão de vacinação para matrículas na rede estadual de ensino.
Em nota enviada para a reportagem, por meio da Secretaria de Estado de Saúde e Secretaria de Estado de Educação, o governo mineiro informou que “nunca foi obrigatória a apresentação do cartão de vacinação na rede estadual de ensino, para que estudantes possam se matricular e iniciarem suas atividades escolares, exercendo o pleno direito de acesso à educação.”
É importante ressaltar que ambas as condutas, tanto a de quem oferece esses certificados falsos na internet quanto a de quem usa um documento adulterado para matricular um filho, são condutas criminosas previstas no Código Penal.
Se a pessoa cria “do zero” um certificado fraudulento no computador e com um PDF que não é verdadeiro, por exemplo, esse é o crime de falsificação de documento público e ele tem uma pena de 2 a 6 anos de reclusão, correspondente ao artigo 297 do Código Penal. E quem usa esse documento falso também está sujeito à mesma pena.
Existe outra possibilidade, que é quando os pais ou responsáveis adquirem um certificado verdadeiro e inserem informação falsa de que a criança foi vacinada, quando, de fato, ela não foi. “Esse crime é um pouco mais leve, é o de falsidade ideológica, correspondendo ao artigo 299 do Código Penal e a pena de reclusão de 1 a 5 anos, pena de prisão”, explica Luisa Moraes Abreu Ferreira, professora de Direito Penal da FGV Direito São Paulo.
A especialista destaca ainda que, por mais que seja o mesmo crime para quem vende e quem compra, existe uma diferença nas consequências. “Provavelmente, quem usa esse documento usou uma vez ou duas em relação a um filho. Mas, geralmente, quem vende tem aí uma organização criminosa, uma quadrilha formada para falsificar esses documentos.”
O fraudador que comercializa esses documentos pode responder a outros crimes, como associação criminosa, e sua pena pode ser aumentada proporcionalmente ao número de falsificações que cometer. “Isso levaria a uma prisão, sim, especialmente se comprovado que essa pessoa está fazendo isso de forma reiterada”, afirma Ferreira.
Por último, no caso de alguém que adquire e utiliza um certificado apenas uma vez para o seu filho, é possível que essa pessoa enfrente processo legal e seja denunciada criminalmente. No entanto, há circunstâncias em que ela pode evitar a prisão pelo crime, especialmente se for primária, sem antecedentes criminais e se o incidente for uma ocorrência isolada.
Daniel Wang, professor de Direito da Saúde da FGV Direito São Paulo, explica que é preciso diferenciar a obrigatoriedade da vacinação da apresentação da carteira de vacinação no ato da matrícula.
“Muitos Estados colocam a obrigação de apresentar o comprovante de vacinação como uma forma de controlar se os pais estão cumprindo sua obrigação e também para reduzir os riscos aos outros alunos pela presença de alguém não imunizado”, diz o especialista.
Segundo Wang, a obrigação de vacinar a criança é uma norma federal e Estados e municípios não têm o poder de isentar alguém dessa obrigação.
“É o sistema de educação ajudando a dar efetividade a uma política de saúde”, complementa.
No entanto, médicos ouvidos pela BBC News Brasil reforçam que certas medidas só colaboram para o movimento antivacina, que vem ganhando cada vez adeptos no país. Isso inclui, principalmente, ir contra a imunização de crianças.
“Existem muitos equívocos de quem gosta de opinar baseado em tudo que lê na internet. Não tem vacina para doença que não mata”, alerta Victor Horácio de Souza Costa Júnior, infectologista pediátrico e professor na Escola Medicina e Ciências da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
O especialista também argumenta que a baixa adesão aos imunizantes eleva ainda mais o risco de contaminação de outras crianças, aumentando a incidência de diversas doenças que, até pouco tempo atrás, estavam eliminadas no país.
Por que vacinar as crianças?
Não é de hoje que os médicos reforçam a importância da vacinação no público infantil. O sistema imunológico das crianças está em constante desenvolvimento nos primeiros anos de vida.
A imunidade passiva adquirida durante a gestação diminui gradualmente, deixando os bebês mais vulneráveis a infecções.
Por isso, as vacinas desempenham um papel crucial ao fortalecer as defesas do organismo, prevenindo uma série de doenças infecciosas que podem causar danos permanentes.
“A grande concentração de vacinas ocorre nos primeiros dois anos de vida. Onde a criança, pela imaturidade, é mais vulnerável a desenvolver catapora, sarampo e outros problemas. As crianças estão sem maturidade imunológica”, destaca Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Durante os primeiros meses de vida, o PNI (Plano Nacional de Imunização) recomenda uma série de vacinas para proteger os bebês contra doenças como hepatite B, tuberculose, difteria, tétano, coqueluche, poliomielite, entre outras. Há pelo menos 18 vacinas obrigatórias que as crianças devem tomar no país.
Logo após o nascimento, o bebê recebe a BCG, responsável pela proteção das formas graves da tuberculose (miliar e meníngea).
E também a vacina da Hepatite B, que protege contra essa infecção viral. Essa última pode, inclusive, ser passada da mãe para o filho durante a gestação ou durante o parto, um processo conhecido como transmissão vertical.
“A hepatite B é muito prevalente no Brasil. Cerca de 90% das crianças infectadas durante o parto vão desenvolver a forma crônica que pode levar ao câncer e à cirrose. Nos adultos, esse número é de 15%”, alerta Isabella Ballalai, pediatra e diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Essas vacinas são administradas em um calendário específico (confira o calendário completo no fim da reportagem), levando em consideração o desenvolvimento do sistema imunológico infantil.
Ao seguir esse cronograma, os pais garantem que seus filhos estejam protegidos desde os primeiros meses de vida, preparando-os para enfrentar ambientes como a escola.
Imunidade de rebanho e diminuição dos riscos
Além de proteger individualmente as crianças, a vacinação também desempenha um papel fundamental na prevenção de doenças na comunidade.
Ao vacinar a maioria das crianças, cria-se o que é conhecido como “imunidade de rebanho”. Isso significa que, mesmo aqueles que não podem ser vacinados por motivos de saúde ou outros, estarão protegidos porque a propagação da doença é significativamente reduzida.
Segundo o médico da PUC-PR, um bom exemplo para entender esse mecanismo é a vacina da poliomielite.
“A vacina da pólio é uma vacina que você faz no paciente. O vírus atenuado da vacina é eliminado nas fezes e, a partir disso, você ‘contamina’ outras pessoas, fazendo com que elas adquiram esse vírus atenuado e acabam conseguindo proteção também”, diz.
Mas o especialista faz uma ponderação. “É importante lembrar que quem é contactante de paciente imunossuprimido não deve fazer esse tipo de imunização porque pode transmitir o vírus vivo para a pessoa que não pode adquiri-lo.”
De acordo com os médicos, essa proteção coletiva é essencial para manter as crianças saudáveis e garantir um ambiente escolar seguro.
“É sobre proteger aqueles inclusive que não podem se vacinar. Estamos falando de redução de danos coletivos”, explica Kfouri,.
“Independentemente de ir para escola, vacinar é uma estratégia de saúde pública. Você protege a partir do momento que você acumula vacinados”, diz o médico.
Pais ‘antivax’
A vacina contra a covid-19 também entrou como obrigatória no ciclo vacinal de crianças entre seis meses e menores de cinco anos. No entanto, segundo os especialistas, a cobertura vacinal para este imunizante está baixa no Brasil.
De acordo com o Ministério da Saúde e médicos ouvidos na reportagem, a cobertura vacinal para essa faixa etária está em torno de 20%, embora o objetivo ideal seja alcançar 80%.
Os médicos ressaltam que há uma maior aversão a essa vacina, se comparada às demais. “É um movimento maior contra covid-19. Geralmente, ocorre muito por desinformação e pelas fake news“, diz Kfouri.
A técnica em contabilidade Ludiane Maria da Silva, de 38 anos, optou por não vacinar os dois filhos, de oito e 11 anos, contra a covid.
Contrária à vacina que protege contra a covid-19, ela acredita que o imunizante foi feito de forma rápida e que ainda faltam mais estudos para garantir sua eficácia.
Ela ainda acrescenta que não é contra todos os tipos de vacinas, mas somente as criadas contra o coronavírus. “É um risco, mas graças a Deus meus filhos estão muito bem de saúde”, diz.
A decisão foi tomada em comum acordo com a esposa, que também pensa o mesmo. “Ela (minha esposa) foi bastante criticada por não vacinar os filhos contra a covid e por seguir na mão oposta do que todo mundo está falando”, diz.
Trabalhos científicos já mostraram que a vacina contra o coronavírus em crianças tem benefícios e não oferece riscos ao público dessa faixa etária. Segundo o Ministério da Saúde, em crianças de 6 meses a quatro anos, a eficácia da Pfizer BioNtech (três doses) foi de 80,3% na prevenção pela variante ômicron da covid-19, que continua circulando em diversos países.
O imunizante para uso pediátrico também foi considerado seguro não só pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), mas também pela agência reguladora de medicamentos americana, a Food and Drug Administration (FDA).
Um estudo recente feito no início deste ano por pesquisadores da Escola de Medicina Perelman da Universidade da Pensilvânia, e pelo hospital Infantil da Filadélfia, ambos nos Estados Unidos, mostrou que crianças e adolescentes vacinados contra a covid-19 ficaram consideravelmente mais protegidos contra o vírus depois de tomarem a vacina BNT162b2 (Pfizer-Biontech).
Publicada no periódico Annals Of Internal Medicine, a pesquisa mostrou ainda que crianças e adolescentes que foram imunizados não apresentaram graves problemas cardíacos em comparação com jovens que não foram vacinados.
“Não há experiência maior com vacina em população do planeta como a da Covid-19, que reafirma o seu perfil de segurança, e os efeitos colaterais muito comuns a qualquer outra vacina. A mesma segurança que a gente tem para recomendar qualquer outra vacina”, afirma o infectologista da SBP.
O médico ainda destaca “os dados de segurança só se confirmam com mais de 20 bilhões de doses de vacina covid aplicadas em todo o mundo.”
Em relação às outras vacinas, Ludiane conta que o cartão de vacinação está em dia. Questionada se teve dificuldades para matricular os filhos na escola pela ausência dessa vacina, ela ressalta que não, e que eles seguem estudando normalmente.
Ela também afirma que não imuniza os filhos com essa vacina específica por acreditar que há muitos efeitos colaterais, e que as crianças podem adquirir imunidade de forma natural ao longo dos anos. “A criança vai tomando imunidade por ela mesma”, diz.
Para Costa Júnior, dizer que a vacina foi feita de forma rápida é um equívoco. “Ela vem pela plataforma de RNA mensageiro, sendo estudada desde 2008, quando a gente teve um surto de um vírus semelhante ao coronavírus na região da África Central. Então, de maneira alguma, foi produzida rapidamente”, diz.
Ele ainda afirma que as vacinas são seguras e vêm mostrando sua eficácia ao longo de anos.
“A gente precisa lembrar, para quem é antivacina, que existem duas coisas no mundo que diminuíram muito a mortalidade em criança. A primeira delas foi a utilização da água potável, que reduziu muito a mortalidade de muitas pessoas, e a segunda, indiscutivelmente, é a vacina”, diz o pediatra.
Já o diretor da SBP explica ainda por que é preciso ter uma atenção maior com as crianças em relação à vacina da covid-19.
“Nós, adultos, já nos expusemos um monte de vezes, já tomamos um monte de doses de vacinas, as crianças são virgens de exposição, são justamente os grupos que mais precisam da vacina”, diz Kfouri.
Quem pode ser responsabilizado?
A responsabilidade dos pais em relação à vacinação de seus filhos tem sido objeto de intensos debates no campo da saúde pública.
Além de ter problemas para matricular seus filhos nas escolas, os pais podem, ainda, sofrer sanções como multas, que podem variar de três a 20 salários mínimos, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
Vale lembrar que mesmo que os pais não apresentem um comprovante vacinal, isso não significa que a criança será impedida de estudar.
“A omissão dos pais não pode restringir o direito à educação das crianças. A criança vai ser matriculada, mas a escola deve insistir para os pais colocarem a vacinação em dia e, em caso de recusa, as autoridades responsáveis podem ser notificadas (conselho tutelar e o Ministério Público) para que as medidas cabíveis sejam tomadas”, diz Wang.
Mesmo com todas essas medidas, Kfouri argumenta que é muito difícil proibir uma criança de frequentar a escola, caso ela não seja vacinada contra qualquer doença.
“Crianças nunca deixaram de frequentar a escola porque não estavam com a vacinação em dia. A exigência do documento tem o intuito de atualizar os calendários atrasados”, diz o médico.
Além das sanções previstas na determinação do ECA, pais e responsáveis que falsificam documentos para o ingresso dos filhos em ambiente escolar, podem responder criminalmente.
“Se a pessoa apresenta um documento falso do posto de saúde, então é falsificação de documento público. Se insere um carimbo e uma assinatura mentirosa em um documento verdadeiro, então é falsidade ideológica”, diz Wang.
Vacinas obrigatórias
As vacinas e as doenças que elas previnem, conforme o Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Os postos de saúde oferecem os imunizantes de forma gratuita.
A lista tem como base informações do Ministério da Saúde.
Ao nascer
Vacina BCG (dose única), contra formas graves de tuberculose
Vacina contra hepatite B
Aos dois meses
Vacina adsorvida difteria, tétano, pertussis, hepatite B e Haemophilus influenzae B (1ª dose)
Vacina poliomielite 1, 2 e 3 (1ª dose)
Vacina pneumocócica 10-valente (1ª dose), contra infecções invasivas, como meningite e pneumonia
Vacina rotavírus humano G1P1 (1ª dose), para proteger contra diarreias e gastroenterites
Aos três meses
Vacina meningocócica C (1ª dose), para diminuir o risco de doença invasiva causada pela bactéria Neisseria meningitidis do sorogrupo C.
Aos quatro meses
Vacina adsorvida difteria, tétano, pertussis, hepatite B e Haemophilus influenzae B (2ª dose)
Vacina poliomielite 1, 2 e 3 (2ª dose)
Vacina pneumocócica 10-valente (2ª dose)
Vacina rotavírus humano (2ª dose)
Aos cinco meses
Vacina meningocócica C (2ª dose)
Aos seis meses
Vacina adsorvida difteria, tétano, pertussis, hepatite B e haemophilus influenzae B (3ª dose)
Vacina poliomielite 1, 2 e 3 (3ª dose)
Vacina Influenza (1 ou 2 doses), para proteger contra a gripe
Vacina covid-19 (1ª dose)*
*É importante ressaltar que a vacina contra a covid-19 está recomendada com esquema de três doses (aos 6, 7 e 9 meses de idade). Caso não tenha iniciado e/ou completado o esquema primário até os 9 meses de idade, a vacina poderá ser administrada até 4 anos, 11 meses e 29 dias, conforme histórico vacinal, respeitando os intervalos mínimos recomendados (quatro semanas entre a 1ª e 2ª dose; e oito semanas entre a 2ª e 3ª dose).
Aos sete meses
Vacina covid-19 (2ª dose)*
*A mesma observação para a primeira dose vale para a segunda dose.
Aos nove meses
Vacina contra a febre amarela (1 dose)
Vacina covid-19 (3ª dose)
Aos 12 meses
Vacina pneumocócica 10-valente (reforço)
Vacina meningocócica C (reforço)
Vacina sarampo, caxumba, rubéola (tríplice viral) (1ª dose)
Aos 15 meses
Vacina adsorvida Difteria, Tétano e pertussis (DTP) (1º reforço)
Vacina poliomielite 1 e 3 (atenuada) – (VOPb) (1º reforço)
Vacina adsorvida Hepatite A (1 dose)
Vacina Tetra viral (1 dose)
Aos quatro anos
Vacina adsorvida Difteria, Tétano e pertussis (DTP) (2º reforço)
Vacina contra febre amarela (reforço)
Vacina poliomielite 1 e 3 (2º reforço)
Vacina varicela (monovalente) – (1 dose)
Aos cinco anos
Vacina contra a febre amarela (1 dose, caso a criança não tenha recebido as 2 doses recomendadas antes de completar 5 anos)
Vacina pneumocócica 23-valente (1 dose)
Aos nove e dez anos
Vacina HPV – Papilomavírus humano 6, 11, 16 e 18 – esquema de duas doses
Fonte: Andi Comunicação e Direitos