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O presente vem da escuta

O Dia das Crianças gera expectativas em muitas crianças. A data, fruto de ações de atenção aos Direitos da Criança e do Adolescente, popularizou-se no Brasil a partir da década 50. Convergindo com o dia da padroeira, Nossa Senhora Aparecida, faz do 12 de outubro um dia pleno de celebrações. Adultos buscam formas de homenagear crianças, seja através da entrega de presentes ou promoção de entretenimento, cultura, lazer.

A comemoração ganhou força de ritual na vida de crianças, e estudos como o da psiquiatra Rheinheimer (2015) apontam drástica diminuição na ocorrência de episódios de suicídio de crianças e adolescentes neste dia. Mas por quê? Talvez porque as crianças se sintam valorizadas, vistas, importantes, recebam mais atenção nesse dia, ou seja, tenham supridas necessidades emocionais e morais tão significativas para seu desenvolvimento como as fisiológicas.

Mas o que dar a elas? Presentes? Programações? Uma das formas mais potentes para obter essas respostas é a escuta. Nossas teorias acerca dela correm a galope, enquanto nossas práticas, embora esforçadas, ainda engatinham. Constatamos isso na prática.

Mobilizamos experiência de pesquisa que objetivou explorar noções de escuta da criança, oriundas da Sociologia da Infância, e envolveu promoção de encontros com 58 crianças da faixa etária de 5 a 8 anos, de perfil socioeconômico desfavorecido. O gatilho temático era o de planejar celebração do Dia das Crianças, para as participantes da pesquisa, construída a partir de escuta.

Foram generosos os resultados, e o essencial se destacou. Nós, os adultos, pré-definimos possibilidades, prevendo dia de brincadeiras, com piquenique no campus da universidade e tudo mais. Isso porque o imaginário de festa, brincadeira, brinquedo e guloseimas impera, e o exercício de escutar as crianças, a priori, seria para identificar seus interesses e integrá-los nos planos e condições de execução desse ideal.

Entretanto, conseguimos criar mecanismos para nos proteger de nossos imaginários ao explorar, com elas, sem induções, apenas o que significava o Dia das Crianças para elas. Foi marcante. Aquelas crianças atribuíam ao Dia das Crianças a grande chance, e talvez única do ano, de ficarem em casa, de receberem visita de um pai, irmão, de estarem com a mãe. Além de não associarem o Dia ao brincar, ganhar presente ou doces, mencionaram a possibilidade de doar suas roupas e brinquedos para outras crianças. Elas, escutadas, fizeram-se ouvir: nada era tão relevante quanto o desejo de estar em casa com a família. Cancelamos planos. Refletimos sobre nossos imaginários das infâncias. A escuta permitiu evidenciar que escutar é diferente de consultar, de entrevistar crianças.

Escutar é dar ouvidos ao que pulsa em seus corações, de coração aberto, e esse pode ser nosso maior presente.

Juliana Tonin
Comunicóloga, doutora em Comunicação, com pós-doutorado em Sociologia da Infância.
O relato da experiência de pesquisa está disponível no livro Comunicação, Infâncias e Imaginário, Edipucrs, 2022.