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"O mundo acelera e pede pressa, mas o adolescente tem em si um tanto de paciência"

"Adolescer é o ensaio para o que importa. E o mundo aprendeu isso direitinho, já que o adolescente não tem direito a ser ele mesmo, com suas dores e delícias", reflete o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral

Por Alexandre Coimbra Amaral

Há aquele momento em que os filhos adolescem. Antes disso, tem a transição da criança que formulava suas perguntas, que coletivizava as possibilidades de resposta, e que trazia para a sala de jantar o resultado de suas incursões na inventividade e na fantasia. O mundo do ideal materno e paterno costuma sentenciar que temos que ter disponibilidade para estes momentos, mas o real em nós diz que não há incondicionalidade nem energia infinita ofertada aos filhos. Por vezes, nos cansamos das intermináveis demandas infantis a que estamos sujeitos.

Cansados fomos quando tínhamos crianças. Agora, com adolescentes, podemos nos sentir em estranhamento, mais uma vez, com a nova fase que se apresenta. Porque o quarto passa a ser um ninho em que repousa uma metamorfose – e eu peço perdão pela metáfora tão gasta da borboleta, prometo não abusar dela aqui.

O quarto do adolescente é um casulo identitário. Ali dentro forja-se uma nova fração de vida. A adolescência se manifesta, em nossa cultura, como um segmento de tempo inscrito entre a infância e a adultez, em que o primeiro tempo foi “uma brincadeira” e o segundo é “a coisa séria”. Adolescer é o ensaio para o que importa. E o mundo aprendeu isso direitinho, já que o adolescente não tem direito a ser ele mesmo, com suas dores e delícias.

O adolescente é pensado como alguém que está quase lá. As perguntas sobre a maioridade, a escolha profissional, o Enem, as relações afetivas que podem se transformar em casamento mais adiante. O mundo acelera e pede pressa, mas o adolescente tem em si um tanto de paciência. Ele insiste em não responder sempre aos anseios projetivos dos adultos. A porta do quarto é uma fronteira para as pressões de desempenho e de certezas de escolha. Eles fecham a porta porque nós pedimos mais do que eles têm condição de nos responder. A recusa ao encontro é parte da sobrevivência diante de uma cultura massacrante, revestida de cuidado e atenção.

Atentemo-nos às portas fechadas. Claro que precisamos acompanhar o que eles fazem (como a internet e seus desvãos). Eles não estão prontos para o mundo, e sabem disso. Mas precisam de mais tempo de quietude, longe dos barulhos dos controles excessivos. O silêncio deles dura muito tempo, o casulo é tecido sem pressa. Por mais que a geração atual se inebrie com as telas frenéticas, a angústia humana nunca apressa o passo, e precisa ser sentida por inteiro.

Deixá-los solitários demais é um risco. Atenção: a porta se abre, às vezes, e por pouco tempo. Aproveite a breve passagem para fazer dela uma ponte para a conversa possível. Aguente firme os olhos revirados e a confrontação da autoridade. Eles têm mensagens contraditórias para nós, que querem dizer “não preciso de sua entrada”, ao mesmo tempo em que gritam em silêncio: “por favor, jamais me abandone”. É nesse quarto que se tece o futuro, num presente sem muito chão.

Continuamos a ser os faróis, e desse lugar não nos afastamos nunca. O farol não ilumina o mar a todo tempo, assim como o casulo não se abre a hora que desejamos. Há que se ter disponibilidade para o encontro da luz do farol com a porta do casulo em fresta. Dali renasce o encontro, que jamais deixa de ser fundador de algo novo em ambos.

Fonte: Revista Crescer