Justiça climática começa na infância: novo relatório revela o impacto da crise do clima sobre meninas e meninos brasileiros
Enquanto líderes mundiais se reúnem em Belém (PA) para a COP30, 80 crianças, adolescentes e jovens expressam suas percepções sobre como as mudanças climáticas afetam o cotidiano, os direitos e os sonhos de suas comunidades, no relatório Por um Planeta Onde Crianças e Adolescentes Cresçam Livres, Seguras e Respeitadas, produzido a partir da aplicação das Mini-COPs, pela Plan International Brasil.
As Mini-COPs foram encontros participativos inspirados na Conferência das Partes da ONU, que reuniram representantes de cinco territórios brasileiros: São Luís (MA), Codó (MA), Teresina (PI), Salvador (BA) e São Paulo (SP). Segundo a Plan International Brasil, as vozes reunidas revelam percepções, medos e propostas sobre como as mudanças climáticas já afetam o cotidiano e os direitos das novas gerações.
Os resultados confirmam o que os dados internacionais vêm alertando: as infâncias estão na linha de frente da emergência climática. Segundo o UNICEF (2022), 40 milhões de crianças e adolescentes brasileiros estão expostos a pelo menos um risco climático, como enchentes, secas, queimadas ou ondas de calor. Globalmente, 1 bilhão de crianças vivem em áreas de alto risco climático, mas apenas 2,4% do financiamento climático mundial considera suas necessidades específicas, conforme relatório conjunto da Plan International, UNICEF e Save the Children (2023).
Quatro eixos da escuta infantil
Ainda de acordo com a Plan International Brasil, para essas novas gerações, o colapso climático é uma ruptura social. “Educação, saúde, e proteção são dimensões diretamente impactadas pela instabilidade climática, e a ausência de políticas inclusivas agrava a exclusão de quem já vive à margem. Ao mesmo tempo, o relatório mostra que essas crianças e jovens compreendem a crise com uma lucidez admirável: falam de educação socioemocional, a importância da coletividade e de um modo de vida em harmonia com a natureza. Eles não falam em “redução de carbono”, falam em cuidar da Terra e das pessoas, como se uma coisa não pudesse existir sem a outra — e estão certos”, informa a instituição.
As falas das Mini-COPs foram sistematizadas em quatro grandes temas, que refletem tanto vulnerabilidades quanto caminhos possíveis:
- Proteção (38%) — O tema mais recorrente. Crianças e adolescentes associam proteção a segurança física, emocional, ambiental e institucional. Meninas, especialmente, ligam o direito à proteção ao desejo de viver sem medo e com dignidade.
- Educação (27%) — Vista como instrumento de liberdade e transformação social. As participantes pedem escolas seguras, educação de qualidade e ensino que promova empatia e consciência ambiental.
- Representatividade (23%) — Relacionada à escuta ativa e à igualdade. Há um pedido claro por mais espaços de decisão e valorização das vozes de meninas, jovens e pessoas negras.
- Saúde (12%) — Vinculada à alimentação, saneamento e bem-estar emocional. As falas ressaltam a importância de ambientes saudáveis e comida em fartura.
O relatório também alerta que a crise climática aprofunda desigualdades estruturais, como racismo ambiental, pobreza e desigualdade de gênero, ampliando riscos de violências como o trabalho infantil, a evasão escolar e o casamento precoce. “As Mini-COPs mostraram que meninas, meninos e jovens entendem a crise climática não como um conceito distante, mas como algo que afeta suas casas, escolas e sonhos. Elas têm propostas, vontade de agir e querem, sobretudo, serem ouvidas”, afirma Cynthia Betti, CEO da Plan International Brasil.
Emergência climática e direito à infância
De acordo com o IPCC (2022), uma criança nascida em 2020 enfrentará, ao longo da vida, sete vezes mais ondas de calor, quase três vezes mais secas e o dobro de enchentes do que aquelas nascidas em 1960, um salto sem precedentes. No Brasil, esses efeitos já são visíveis: só em 2024, mais de 1 milhão de estudantes tiveram o calendário escolar interrompido por desastres climáticos, segundo o UNICEF.
Entre 2019 e 2024, o Ministério da Saúde estima que 8,5 milhões de pessoas foram atingidas por eventos extremos no país, com impactos diretos na segurança alimentar, na saúde e na educação.
O Estado de S. Paulo - SP

