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Autismo: "Corrigir e reprimir ‘sintomas’ só causam estresse e tensão"

Em entrevista à Crescer, Barry M. Prizant, autor do best-seller Humano à sua maneira: Um novo olhar sobre o Autismo, fala sobre como as concepções em relação ao transtorno do espectro autista (TEA) mudaram ao longo do tempo e dá dicas para facilitar a comunicação entre filhos e pais

Nas últimas décadas, tudo que se sabia sobre autismo sofreu transformações radicais. Criado pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuer em 1911, o termo autismo era inicialmente usado para descrever a esquizofrenia e só em 1980 foi reconhecido oficialmente como um diagnóstico independente. Se no princípio era visto como uma doença que precisava ser curada, atualmente, cada vez mais a comunidade científica o entende como uma maneira de ser. Um dos principais defensores dessa tese é o americano Barry M. Prizant, autor do best-seller Humano à sua maneira: Um novo olhar sobre o Autismo (Edipro, R$ 89).

Professor doutor do Departamento de Distúrbios da Comunicação da Universidade de Rhode Island, nos Estados Unidos, Prizant trabalhou por mais de 25 anos em consultórios atendendo pessoas com autismo e suas famílias. Em entrevista exclusiva à CRESCER, o autor explica que o transtorno do espectro autista (TEA) é amplo e atinge cada indivíduo de forma diversa. “É preciso entender as causas emocionais dos comportamentos das crianças com autismo e oferecer ferramentas para que elas se desenvolvam da melhor forma. As tentativas de corrigir e reprimir ‘sintomas’, além de fadadas ao fracasso, só causam estresse e tensão”, afirma.

Com muitos anos de experiência sobre o assunto, Prizant defende uma compreensão empática e humana do autismo, buscando mais qualidade de vida e integração para todos os envolvidos. Saiba mais no bate-papo a seguir.

CRESCER: Nos últimos 20 anos, o número de diagnósticos de autismo quadruplicou nos Estados Unidos. De acordo com os dados mais recentes do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), uma em cada 36 crianças está no espectro. Como você analisa esse aumento?

Barry M. Prizant: É uma questão difícil, e acredito que ninguém tem uma resposta definitiva nesse momento. O TEA é amplo e envolve muita gente com autismo e deficiência intelectual, desde pessoas que não falam, mas se comunicam através da tecnologia ou de outras formas, até pessoas que têm domínio imenso da linguagem.

O fato de todas essas pessoas estarem na mesma categoria de autismo, o que considero controverso, é uma das explicações para o aumento de diagnósticos. Mas é inegável que, apesar de suas diferenças, as pessoas com TEA têm características em comum, principalmente: dificuldades de comunicação, problemas de interação com os outros - que costumam ser de mão dupla, já que quem não tem autismo, muitas vezes também não sabe interagir com quem tem TEA - e a presença exacerbada de comportamentos restritos e repetitivos. Esses últimos abrangem uma gama ampla de questões, como hiperfoco, necessidade que a rotina seja rígida e previsível, problemas de processamento sensoriais (incluindo incômodo com sons, toques e texturas) e o uso de comportamentos repetitivos para se regular emocionalmente.

C: No seu livro, você explica que comportamentos considerados “autistas” são, em sua essência, naturais e comuns aos seres humanos. Poderia explicar esse ponto de vista?

B.M.P.: Por muito tempo, esses comportamentos vistos como “autistas”, que incluem desde olhar fixamente para os dedos até a ecolalia (repetição de palavras e sons), eram considerados “ruins” por leigos e profissionais. Isso levou a muita repreensão na tentativa de se livrar deles. Então, se uma criança batia palmas com frequência, alguém as segurava e pedia que parasse.

O que os adultos autistas nos contam agora é que essa interação na infância foi traumática e os deixava mais nervosos e ansiosos. Portanto, ao nos depararmos com esse tipo de comportamento, temos que questionar por que a criança está fazendo aquilo. Por que ela está repetindo o que fala? Por que está girando em círculos? Muitas vezes, tem a ver com questões sensoriais, uma tentativa de se acalmar ou uma grande animação com alguma situação. Uma criança autista, quando está feliz, pode pular e balançar os braços. E o que acontece com a torcida em um estádio de futebol quando o time faz um gol? Exatamente a mesma coisa. Ou, durante uma conversa, ela pode evitar o contato visual, o que também é algo que fazemos quando estamos chateados ou tendo uma interação difícil.

A diferença é que as pessoas com autismo são mais sensíveis, e o limiar para engajar é menor. Mas é inegável que são comportamentos humanos normais e, em vez de repreender, temos que entender o motivo pelo qual uma pessoa os pratica.

C.: Decifrar as causas desse tipo de reação nem sempre é fácil, principalmente em com dificuldade de comunicação. O que fazer nesses casos?

B.M.P.: A melhor maneira de descobrir isso é contar com a ajuda de pessoas que conheçam bem a criança e fazer uma abordagem de equipe. Então, por exemplo, você pode ter a ajuda de uma professora, uma terapeuta ocupacional, um familiar, uma babá... É importante reunir essas pessoas que convivem com o pequeno para discutir o comportamento, registrando os momentos em que ele acontece. E, a partir daí, fazer uma investigação sobre suas causas.

C.: E se eles estiverem prejudicando a criança, como o caso narrado no livro de uma menina com autismo que roía o lápis a ponto de se machucar para se acalmar?

B.M.P.: Como você citou, a menina fazia isso porque o estímulo sensorial oral a acalmava, o que é comum quando pensamos, por exemplo, nas pessoas que têm o hábito de mascar chiclete. O que fizemos no caso dessa garotinha foi substituir o lápis por lanchinhos saudáveis e crocantes, como palitinhos de cenoura e pepino.

Além disso, alguns profissionais, como terapeutas ocupacionais, podem fornecer o estímulo que a criança está buscando nas sessões, diminuindo sua intensidade fora delas. Então, o caminho é buscar ajuda e descobrir como substituir aquilo por algo que não seja prejudicial.

C.: Outra característica que você cita como comum entre crianças com autismo é o hiperfoco, uma fixação por determinado tema ou assunto. Como usá-la de forma positiva?

B.M.P.: Isso é muito interessante, porque temos que ser seletivos quando realmente podemos apoiar o hiperfoco de uma criança e quando devemos explorar outras possibilidades além dele. Então, por exemplo, eu conheço uma criança cujo hiperfoco são bandeiras. Ela atualmente tem cerca de cem miniaturas e sabe de qual país é cada uma delas. O que os pais fazem é estimular conversas como: “Olha, essa é a bandeira dos Estados Unidos e esse é o tipo de alimento que eles comem, a cultura que têm, etc”. Então eles expandem esse hiperfoco para que o pequeno aprenda coisas diferentes. Outra estratégia para lidar com a fixação é o que eu chamo de “há uma hora e um lugar”. Então, se uma criança quer falar sobre basquete o tempo todo, você pode dizer “bem, agora não dá, temos que fazer a lição de matemática, mas podemos falar sobre basquete por 15 minutos quando você voltar da escola”. Com crianças com autismo, é muito importante ser específico para que elas saibam exatamente o que esperar. E nunca diga “chega, não aguento mais ouvir isso”. Isso pode criar estressee tensão para a criança.

C.: Como os pais e cuidadores podem se comunicar melhor com crianças que têm TEA?

B.M.P.: Na minha experiência em consultório, o principal erro dos pais era desejar que seus filhos parecessem e se comportassem como “crianças normais”, bombardeando os pequenos com informações negativas e frases como “Pare com isso”, “Você está sendo mal-educado” ou

“Fica quieto”. Diferentemente do que alguns acreditam, as pessoas com autismo são muito sensíveis e ficam com a autoestima abalada quando não conseguem atender às expectativas de seus pares. Por isso, é essencial apoiá-las de forma positiva. Isso não significa deixar de corrigir quando necessário, mas fazê-lo com calma e paciência. É preciso estimular as crianças com autismo a confiar em outras pessoas, e isso não é feito com mensagens negativas, mas com respeito e empatia.

C.: O que você diria para os pais com filhos que receberam o diagnóstico de autismo recentemente?

B.M.P.: Se apoiarmos bem a criança, há um grande potencial de crescimento. É preciso dar um passo de cada vez. Geralmente o medo vem de visões mais tradicionais do autismo, de que é “uma tragédia”, “que o filho vai ter uma vida terrível”, “que a família nunca mais vai ser feliz” e isso, na minha experiência, na maioria das vezes não é o caso. Muito do que ouvimos é sobre limitação. O que seu filho poderá ou não alcançar. Mas cada criança é única. Não acredite em tudo que lê na internet, há muita desinformação. Filtre com cautela o conteúdo e confie no seu instinto. Você conhece seu filho melhor do que ninguém. Aproveite também para se conectar com adultos autistas e ouvir o que eles têm a dizer sobre a infância. É uma fonte de conhecimento inestimável. Além disso, conecte-se com outros pais que estão nessa jornada. Principalmente os que têm filhos um pouco mais velhos do que os seus e podem oferecer dicas valiosas sobre as dificuldades e alegrias que lhe aguardam.

Por último, mas não menos importante, cuide de si mesmo. Faça exercício, tenha uma dieta adequada e uma boa rotina de sono, para não ficar esgotado. Quando a família consegue integrar o filho no fluxo da vida, essa criança se sai melhor.

Fonte: Revista Crescer