ADOLESCÊNCIAS E JUVENTUDES: POR PARADIGMAS PEDAGÓGICOS DIALOGIZANTES E INTERGERACIONAIS
Os cenários contemporâneos apontam para a emergencial releitura dos processos educativos com as jovens gerações. As principais instituições responsáveis pelos percursos de adolescentes e jovens – família, escola e sociedade – revelam constantemente abismos entre discursos e práticas, em setorizações competitivas e pouco assertivas que ampliam o desafio de uma educação integral.
A educação como um processo humanizante integra distintas características antropológicas, éticas, metodológicas e sociotransformadoras. Educar a condição humana transcende a hiperespecialização, resumida às partes, mas compõe o todo, articulado entre integralidade e identidade. Não dilui o essencial, e sim o posiciona no cerne teleológico de gestos educativos íntegros.*
Enquanto o universo adulto expõe seus fragmentos e conflitivas de toda ordem em instâncias planetárias e locais, em meio à cena, há um ser desejante de investimento socioafetivo, a ser encorajado, valorizado e potencializado. Uma vida pulsante em seus saberes criativos, inventivos e propositivos. Das identidades às coletividades, adolescentes e jovens buscam suas modelagens próprias de ser, estar e transformar as realidades que os cercam. “[...] é esse processo de mudanças, de mudar até a forma que a gente vê o mundo, que a gente faz o mundo nos ver e... que a gente mostra pro mundo o que é, o que não é”.**
O desejo de pertença a um espaço-tempo significativo, composto por pessoas que os vejam, os escutem, os acompanhem e os edifiquem nos diálogos e projetos de vida e sociedade dos quais almejam. Suas corporeidades expressam suas dores, seus fortalecimentos, suas linguagens e genuinidades. Suas subjetividades guardam as (re)significações, (re)existências e os horizontes de sentido e de não sentido. Os lugares e não lugares dos quais ocupam revelam aspectos de relacionamentos, comportamentos, inquietudes e inconformidades.
Uma pedagogia com visão integral reconhece tessituras horizontais como caminho conducente ao compromisso com o desenvolvimento das jovens gerações, rompendo a cultura que os define como seres inacabados. A perspectiva de autoridade, por exemplo, na abordagem integradora, vai se constituindo paulatinamente através da conexão fortalecida em elos de confiança e reconhecimento dialógico entre adolescentes/jovens e adultos. Uma articulação que (re)afirma a participação integrativa e o engajamento dos envolvidos no contexto.
Se em épocas anteriores a educação era marcada pela anuência social reforçada em ameaças, medos, assédios e agressões (basta lembrar que o mesmo adolescente castigado pela palmatória por errar uma resposta apanhava em casa por ter sido punido na escola), as legislações contemporâneas ressaltam que os direitos das infâncias, dos adolescentes e jovens devem ser garantidos como prioridade pela família, comunidade, escola/universidade e sociedade em geral.***
A promoção integral das vidas juvenis visa romper o círculo de repreensões e arbitrariedades historicamente assumido, para a constituição de uma nova cultura de caráter intergeracional, dos quais adultos, jovens e adolescentes aprendem nas relações de reciprocidades sem suprimir a função de cada um.
Uma pedagogia intergeracional é aquela que reconhece os sujeitos no encadeamento de aprendizagens singulares e coletivas de diálogos entre gerações distintas, em que as mais jovens são estimuladas no agora das convivências e cooperatividades, como interlocutoras fundamentais dos contextos dos quais habitam. Com voz e vez, marcando o basilar e o novo, adolescentes e jovens integram a rede corresponsável de construção e transformação das ambiências.
A implicação desse olhar de imersão, isto é, desde dentro das vivências adolescentes e juvenis, apresenta ao universo adulto comprometimentos que exigem um deslocamento empático e paciente. Não querer reduzir as jovens gerações ao depósito de saberes preestabelecidos é permitir a constituição de um sujeito único, um “eu” próprio, conduzido por uma pedagogia referencial de autoridade por amor autêntico, de transparência e reconhecimento do papel de cada um: familiar, educador, do ser filho, ser irmão, de estudante, de adulto, de adolescente e jovem.
Em conseguinte, a garantia de processos educativos integradores é orgânica, não impositiva, mas propositiva; é essencial, não resumida ao circunstancial; é intencional, não delimitada ao ocasional; é sistêmica, expansiva, não apequenada; é vincular, não egoica e/ou estereotipada; é estética, com a beleza da expressão da verdade; impulsiona o anima, na temporalidade passado-presente-futuro das potencializações.
Ademais, adolescentes e jovens trazem pessoalidades não lineares e sociabilidades complexas. Acompanhá-los é permitir-se caminhar em seus ritmos, seus olhares, suas percepções, realizando um diálogo honesto e responsável, não para que adultos assumam identidades adolescentes e juvenis (o que seria rechaçado por eles), mas para que estes tornem-se referências de maturidade e legitimidade do valor da vida em seu percurso, da cultura cooperativa em prol de novos e positivos paradigmas pessoais e sociais. Igualmente, para que aprendamos uns com os outros, assumindo uma pedagogia de responsabilidade comunitária, menos individualizante e mais ao encontro de sujeitos concretos, não idealizados, adultizados ou infantilizados, mas como os são em suas dignidades e seus anseios de vida.
* Sugiro a leitura do livro A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento de Edgar Morin (2003) para ampliação dessa compreensão.
** Jovem participante da pesquisa: “Vamos falar sobre o Ensino Médio? os(as) jovens estudantes e suas percepções de currículo no Brasil Marista”.
*** Sugere-se apropriação do conteúdo do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Estatuto das Juventude.
PATRÍCIA ESPÍNDOLA DE LIMA TEIXEIRA
Psicopedagoga, doutoranda e mestra em Teologia Sistemática com ênfase em Antropologia (PUCRS). Coordenadora do Observatório Juventudes PUCRS/Rede Marista
Referências
BRASIL. Lei n. 12.852, de 5 de agosto de 2013. Institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e as diretrizes das políticas públicas de juventude e o sistema nacional de juventude – SINAJUVE. Brasília: Diário Oficial da União, 2013.
______. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Vade mecum acadêmico de direito Rideel. 15. ed. atual. e ampl. São Paulo: Rideel, 2012.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução de Eloá Jacobina. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
UNIÃO MARISTA DO BRASIL; OBSERVATÓRIO JUVENTUDES PUCRS/REDE MARISTA; OBSERVATÓRIO DAS JUVENTUDES PUCPR. Vamos falar sobre o Ensino Médio? Os(as) jovens estudantes e suas percepções de currículo no Brasil Marista. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2020.