A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COM ESPECIAL ATENÇÃO À INFÂNCIA E À JUVENTUDE
O conceito de dignidade humana encontra seus fundamentos na filosofia ocidental. Apesar de os gregos não terem abordado diretamente essa noção, é o conceito de Paideia - que é a essência de toda educação - que dá ao ser humano o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito, semelhante aos deuses, tendo a justiça como fundamento. Igualmente, os romanos deram uma grande contribuição ao processo civilizatório do Ocidente, a partir da ideia do bom senso, da virtude e da prudência, concebendo e praticando o Direito como a arte do bom e do justo. Mas a maior contribuição é oriunda da concepção judaico-cristã. A doutrina cristã concebe o ser humano, em si mesmo, o valor digno por excelência, na sua condição de imagem e semelhança de Deus.
A discussão atual sobre a dignidade humana desenvolve-se dentro de duas tradições. Uma é a da sacralidade da vida humana, uma vez que o ser humano vem identificado como imagem e semelhança de Deus, concedendo a este um valor especial e absoluto. Entretanto, num mundo pluralista e secular como o nosso, é difícil a derivação de exigências morais ou jurídicas de um fundamento religioso. Outra tradição afirma as qualidades singulares dos seres humanos para caracterizar a dignidade. Os humanos são capazes de exercer a sua autonomia. Isso porque o ser humano é sujeito.
A primeira metade do século XX, marcada por duas grandes guerras, despertou uma jurisprudência que tomou consciência de que não bastava proteger a vida do ser humano, era preciso custodiar o respeito à sua dignidade. Por isso, a dignidade passou a ser nomeada em diversos documentos internacionais relativos aos direitos humanos. A infância, de maneira especial, recebeu inédita atenção, como na Declaração de Genebra, de 1924; posteriormente, em 1948, com a Declaração dos Direitos Humanos, o tema regressou ao debate; em 1959, com a Declaração dos Direitos da Criança, temos um novo balizador. Já a Convenção de 1989 foi a precursora da Doutrina da Proteção Integral, pela qual as crianças e os adolescentes são reconhecidos como sujeitos de direitos.
No Brasil, o avanço das ciências contribuiu para o surgimento de uma legislação que buscou dar proteção jurídica à criança, dando-lhe a condição de sujeito de direitos, com a introdução do artigo 227 da Constituição Federal, que leva em consideração todo o conhecimento construído por diferentes áreas do saber a respeito da infância. Para efetivar a Doutrina da Proteção Integral, foi editado o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei nº 8069.90).
A criação do ECA introduz mudanças profundas na forma de conceber as políticas públicas voltadas à infância. Mas, o Brasil é um país de contradições. Existe uma grande sensibilização em torno dos direitos da criança e do adolescente, bem como o país dispõe de uma lei exemplar, que é referência para outros países, mas, ao mesmo tempo, os indicadores sociais são assustadores. Falta-nos, ainda, uma vontade política forte para aplicar o preceito constitucional da “prioridade absoluta”. Não basta, porém, uma política isolada para mudar e qualificar a vida de crianças e adolescentes em situação de pobreza e miséria. É preciso o envolvimento de todos os segmentos mencionados no art. 227 da CF: família, sociedade e poder público.
IR. EVILÁZIO TEIXEIRA
Doutor em Filosofia e Teologia
Reitor da PUCRS