Obesidade na adolescência: taxa no Brasil é quase o dobro da média global
No país, 31% dos adolescentes estão com obesidade ou sobrepeso, quase duas vezes a média global, de 18% para esta faixa etária. Aqui, especialistas explicam como a doença afeta os jovens e quais são os principais entraves para a prevenção e o tratamento
A cada dez adolescentes brasileiros, atualmente, três têm obesidade ou sobrepeso. A taxa é assustadora e alarmante por ser altíssima e também por ser quase o dobro da média global para a idade. Enquanto por aqui, a obesidade e o sobrepeso afetam 31% dos adolescentes, a média do mundo é de 18%, de acordo com o levantamento Observatório da Saúde na Infância (Observa Infância - Fiocruz/ Unifase), feito com base nos dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan-WEB), ferramenta que monitora indicadores de saúde e nutrição. Embora as taxas de obesidade e sobrepeso entre as crianças menores também tenha aumentado e também seja maior no Brasil, em comparação com a média global, é a incidência do problema nos adolescentes que preocupa mais os pesquisadores.
Pelas análises das séries históricas, há uma projeção de queda do excesso de gordura corporal entre as crianças, principalmente depois do período de isolamento da pandemia. Porém, entre os adolescentes, a tendência é de crescimento. “Acreditamos que os altos números da obesidade infantil no Brasil se devem muito à falta de regulação dos alimentos ultraprocessados no país”, disse Cristiano Boccolini, pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) e coordenador do Observa Infância, à Agência Brasil. Mas por que será a que a adolescência é uma fase tão vulnerável para esse ganho exagerado de peso?
As principais explicações estão relacionadas às mudanças físicas do corpo, que ocorrem nessa fase da vida, somadas ao momento do desenvolvimento social e emocional, além da alimentação e do estilo de vida. De acordo com a nutricionista Alessandra Leonardo, do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), no início da adolescência, há uma hiperplasia celular, ou seja, um momento em que há um ganho acelerado de células adiposas ou células de gordura. “Nesse período, o adolescente vai ganhar peso para sustentar o estirão do crescimento”, explica ela. “Mas esse aumento não deve ser exagerado. Existe também toda a modificação da puberdade, com o crescimento das mamas, dos testículos, dos pelos e as alterações hormonais”, acrescenta.
A parte emocional, nesse momento da vida, também tem um grande impacto. “A adolescência é um período em que o indivíduo está aprendendo a lidar com as próprias emoções, a tomar decisões, a lidar com conflitos e a administrar sozinho esses seus conflitos”, lembra a professora Raquel Boff, coordenadora do serviço de psicologia aplicada da Universidade de Caxias do Sul (RS). “Tudo é muito intenso. O adolescente se apaixona pela primeira vez e acha que é o amor da vida dele, os amigos são tudo para ele. Há uma certa desregulação emocional”, aponta. E é natural que isso aconteça dessa maneira, nessa fase. Em muitos casos, a estratégia de enfrentamento a essas emoções envolve algum tipo de transtorno alimentar.
Na adolescência, os pais passam a ter menos controle sobre a alimentação dos filhos, que ganham certa autonomia nessa área. Quando a criança é pequena, a família decide o que comprar, o que vai colocar no prato, quais são os momentos das refeições e em que condições elas serão feitas. Com o tempo, o adolescente passa a ter mais poder de escolha. “Os adolescentes passam a ter mais autonomia para o consumo de alimentos calóricos e ultraprocessados”, diz a nutricionista Alessandra. “Eles também comem mais vezes fora de casa, com os amigos, em comparação às crianças”, acrescenta. E, em geral, as escolhas, nesses momentos não costumam ser as mais saudáveis. “Quando saem, eles vão a ambientes fechados, como shoppings ou ao cinema, em que há todo um estímulo para a alimentação inadequada”, afirma a especialista.
Isso tudo também tem a ver com a - justa - preocupação dos pais com a falta de segurança pública, sobretudo em locais mais abertos. Então, os jovens acabam ficando mais tempo dentro de casa, diante das telas, na internet, conversando com os amigos apenas virtualmente, pelo chat do videogame, redes sociais ou aplicativos de mensagens. “A tendência, nessas situações, é aumentar o consumo de alimentos (inclusive diante das telas, sem prestar atenção no que e em quanto está sendo ingerido) e diminuir drasticamente o nível de atividade física”, aponta a nutricionista da Fiocruz. Isso sem falar nos impactos no sono, sendo que dormir bem e por uma quantidade de tempo adequada é uma ferramenta importante para manter a saúde e combater a obesidade e o sobrepeso.
Além de todos esses fatores externos, relacionados ao ambiente e aos hábitos, é preciso avaliar o contexto familiar. Em alguns casos, há o risco genético, quando a mãe, o pai ou outros familiares próximos também são obesos. Muitos pontos, ao longo da vida, são capazes de influenciar a maneira como esse adolescente ganha peso, desde a concepção, o parto, o aleitamento materno e a introdução alimentar, entre outros. Existem situações em que o adolescente já era uma criança com sobrepeso ou obesidade e chega à adolescência já nessas condições e outras em que o ganho de peso começa a acontecer com mais intensidade nessa fase da vida.
O que é a obesidade e por que é tão preocupante?
A obesidade é uma doença caracterizada pelo excesso de gordura corporal, em uma quantidade que implique em prejuízos à saúde, de acordo com a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS). Uma das ferramentas de diagnóstico (mas não a única) é o cálculo do Índice de Massa Corpórea, o IMC, que divide o peso da pessoa pela altura ao quadrado. Um resultado acima de 30 é considerado obesidade e, a partir de 25, sobrepeso.
“No caso do adolescente, o cálculo deve ser ajustado à idade, ao sexo e à curva de crescimento”, ressalta Alessandra. “A medida da circunferência abdominal também ajuda a determinar a concentração de gordura nessa região. O exame de pregas cutâneas (que mede as “dobrinhas” da pele com instrumentos específicos) e a bioimpedância (método que mede a resistência elétrica dos tecidos do corpo, para identificar a composição corporal) são testes mais fidedignos”, afirma.
Tanto a obesidade, quanto o sobrepeso (que é considerado uma pré-obesidade), já trazem vários riscos à saúde do adolescente. A nutricionista lembra que a doença aumenta o risco de fraturas, doenças osteoarticulares, pelo peso nas articulações, dificuldades respiratórias, apneia do sono, refluxo gastroesofágico, constipação, cálculos na vesícula, acúmulo de gordura no fígado, doenças crônicas como hipertensão, doenças cardiovasculares, diabetes e cânceres, entre outros problemas sérios.
A saúde mental também pode ser profundamente afetada, como lembra a professora Raquel Boff. “A tarefa desenvolvimental principal da adolescência é a construção de uma identidade que é permeada por várias facetas, incluindo identidade sexual, identidade de gênero, identidade relacionada com os valores, as opiniões… E tem toda uma questão de construção de vínculos”, aponta. “Vivemos em uma sociedade que venera a magreza e, então, esse adolescente que está acima do peso, do ponto de vista de pares, acaba sendo rejeitado, pode ter dificuldades de vinculação. Isso tudo pode gerar depressão, crise de ansiedade, pânico, entre outras questões”, destaca.
Segundo ela, há ainda um grande prejuízo na formação da auto-imagem corporal. “No início da adolescência, acontece o estirão, o corpo fica desproporcional, muito grande, o que já pode gerar uma imagem corporal negativa. Se isso vem acompanhado de obesidade, esse jovem potencializa as crenças negativas sobre ele mesmo, o que pode ser outro fator preditivo para uma série de transtornos psiquiátricos", afirma.
Obesidade x saúde mental
Por conta das pressões estéticas, muito difundidas, sobretudo, nas redes sociais, as meninas costumam ter mais preocupação com a imagem corporal, o que leva a frequência da obesidade a ser mais alta entre os meninos, de acordo com Alessandra, da Fiocruz. “As meninas sofrem mais com a pressão social por uma imagem corporal”, diz ela.
Mas isso está longe de ser positivo para elas, já que essa pressão pela estética também causa danos gravíssimos, porque pode levar a diferentes tipos de transtornos alimentares e psiquiátricos. Uma pesquisa realizada por uma equipe da professora Raquel Boff, na Universidade Católica do Rio Grande do Sul, mostrou que 30% dos adolescentes com obesidade tinha compulsão alimentar. “É um transtorno alimentar grave, que pode causar danos ao sistema digestório em longo prazo, além de corroborar com ansiedade, depressão e até suicídio”, explica a psicóloga. “Além disso, o adolescente pode oscilar entre a compulsão alimentar, que é a ingesta calórica excessiva, e as restrições alimentares, como anorexia ou bulimia, para perder peso e ser aceito”, acrescenta.
Que o ganho excessivo de peso está relacionado à saúde mental, em diversos aspectos, é fato. Mas será que os problemas emocionais e psíquicos servem como gatilho para a obesidade ou é o contrário: a obesidade é que leva o indivíduo a ficar mais propenso para desenvolver transtornos como depressão e ansiedade, entre outros? Os dois caminhos podem acontecer. “A ansiedade e a depressão podem afetar o comportamento alimentar”, diz Raquel. “Às vezes, o adolescente come para acalmar a irritabilidade, para lidar com essa tristeza ou com a ansiedade, como estratégia de enfrentamento à tristeza e às crises de pânico. As estratégias de enfrentamento podem ser saudáveis, como, praticar meditação, uma atividade física, uma respiração, ou elas podem ser não saudáveis, como uso de álcool, drogas ou alimentação em excesso. Esse comportamento de ingerir alimentos fora do padrão considerado saudável é uma maneiras de lidar com essas emoções que estão desreguladas”, explica. “O açúcar e a gordura atuam no centro de recompensa do cérebro. A pessoa se acalma um pouco depois de comer o pote de sorvete, o chocolate, embora não resolva o problema e ainda gere outro, que é o aumento do peso”, diz. E, como você já viu, a obesidade, auto-imagem negativa, a não aceitação e o bullying que podem vir junto da doença, no adolescente, pode levar a diversos níveis de problemas na saúde mental. “É bem importante que os pais fiquem atentos aos adolescentes que não trouxeram essa condição da infância, mas, de repente, começaram a ganhar peso, para ver se por trás disso, não há uma causa psiquiátrica”, sugere a especialista.
Dá para prevenir e tratar a obesidade?
Para Alessandra, prevenir a obesidade é olhar para os hábitos alimentares e de atividade física das crianças e dos jovens, além do estilo de vida. “É importante regular o tempo de tela, o sono, trabalhar a conscientização sobre a alimentação”, explica. “A prática de atividade física recomendada para um adolescente, de acordo com o Ministério da Saúde, é de, pelo menos 60 minutos diários”, aponta. Se puder, estimule um esporte, uma dança, uma academia, uma caminhada. Manter um bom padrão de sono, entre 8 e 10 horas, também é fundamental. “As escolas precisariam aumentar a atividade física para os jovens, melhorar as refeições, os alimentos vendidos nas cantinas, reduzindo, por exemplo, a venda de bebidas açucaradas”, orienta. Para ela, em termos de políticas públicas, pode-se pensar em uma taxação em alimentos e bebidas com mais açúcar, por exemplo, o que reduziria o consumo. “Com a arrecadação, daria para investir mais em programas de nutrição para a população”, sugere.
Para tratar as crianças e adolescentes que já lutam com o sobrepeso ou com a obesidade, é importante contar com ajuda profissional especializada, com equipes multidisciplinares, envolvendo nutricionista, psicólogo, psiquiatra, se for o caso. “O atendimento precisa ser frequente e acolhedor”, explica a nutricionista. “É óbvio que a redução calórica de uma dieta tem um resultado positivo, mas você não pode fazer uma redução calórica excessiva, isso não funciona. Também não pode mudar um padrão alimentar sem respeitar a cultura, a emoção, as relações, a sociedade, a condição sócio-econômica desse indivíduo”, lembra. “O Guia Alimentar da População Brasileira, do Ministério da Saúde, traz muito essa questão da alimentação em família, do que a alimentação representa na vida das pessoas, de como a família pode transformar o que traz para casa, o momento das refeições, como pode ser prazeroso, pode ser estimulante, um momento para conversar e conviver. Isso tudo pode ser levado também para outras relações, com amigos, e ajudar a fazer escolhas saudáveis enquanto, ao mesmo tempo, tem a socialização desejada, algo muito importante nessa fase da vida”, aponta a especialista.
A professora Raquel Boff ressalta a importância de conversar com esse adolescente, sem julgá-lo e usar as motivações que funcionem, de fato, como estímulo para cada um. Era este um dos pontos da tese de doutorado dela, Efeito de uma intervenção interdisciplinar baseada no Modelo Transteórico de Mudança de Comportamento em adolescentes com sobrepeso ou obesidade, que chegou a ser premiada como a melhor de 2017 no Brasil, na área da Psicologia. “O adolescente quer ser aceito pelo grupo, quer se sentir bonito. Durante a realização da minha pesquisa, muitas das falas dos adolescentes revelavam que os principais motivadores para eles estarem ali no programa para perda de peso não tinha a ver com a saúde física, apesar de terem os exames todos alterados. Tinha mais a ver com querer ir ao baile de 15 anos e entrar no vestido, comprar uma bota, praticar um esporte, ir a um parque de diversão e poder usar o brinquedo, em que, antes, ele não cabia, porque excedia o peso. Então, é preciso pensar naquele comportamento de vida do indivíduo, que é bem motivado pelo desejo de aceitação e pela construção de uma imagem positiva”, aponta.
A psicóloga lembra que o envolvimento dos pais no processo é primordial, já que o ser humano aprende pelo exemplo. “A família precisa adequar a alimentação para sentir que todos estão junto com ele”, diz ela. “Além disso, é fundamental conversar com o seu filho e não puni-lo, julgá-lo ou chamá-lo de preguiçoso”, recomenda. Em vez de lançar frases como: ‘Por que você não se exercita?’ ou 'Você está acima do peso’ ou 'Você está comendo demais’, chame o adolescente para conversar, escute ativamente, busque entender as dificuldades para saber como ajudar efetivamente. “E quando houver essas dificuldades dos próprios pais em identificar o que que está motivando esse ganho ou essa dificuldade de perder peso, eles podem recorrer à ajuda profissional, conversando com um psicólogo, um psiquiatra, um nutricionista, para dar esse suporte”, explica.
Fonte: Revista Crescer