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7 dicas para estimular a motivação e a curiosidade das crianças desde cedo

Ensinar as crianças a lutarem por seus objetivos com coragem e motivação no futuro começa agora. Nós desvendamos os segredos e traçamos caminhos para isso acontecer, de acordo com a ciência

Ainda nos primeiros dias de vida, são os olhinhos arregalados do seu bebê que tentam enxergar e decifrar o novo mundo onde ele acaba de chegar. Algumas semanas depois, a boca se torna parte dessa investigação. Por ela, passam todos os objetos que consegue alcançar. E, então, chega a vez de rolar, engatinhar e caminhar em busca de tudo o que parece novo. Sim, crianças são curiosas por natureza.

Essa habilidade tem nome e sobrenome. Chama-se motivação intrínseca. “Para elas, todos os momentos do dia são oportunidades de descobertas. Por isso, as condições do ambiente e de acolhimento, ou seja, como os bebês interagem com os adultos e como eles incentivam a construção dessa autonomia vão colaborar para o desenvolvimento do interesse em descobrir e aprender até a fase adulta”, explica a educadora Carmen Orofino, pesquisadora da primeiríssima infância, de São Paulo.

Pouco tempo depois, seu filho é apresentado a um outro tipo de motivação. A chamada extrínseca, ou seja, aquela movida pela recompensa. Se você parar para pensar, vai se lembrar das palmas e dos pulos de alegria que deu quando seu pequeno comeu as primeiras colheradas ou aprendeu a andar, por exemplo.

É na escola, no entanto, que a motivação extrínseca se torna hábito. Desde a educação infantil, é comum ver as crianças saindo da escola com adesivos colados na roupa ou carimbos na mão. “Há estrelinhas para o bom comportamento e até para o desfralde. Tudo gira em torno de pequenas recompensas até chegarmos à maior motivação extrínseca de todas, a nota. Uma linguagem universal para que escola, aluno e família compreendam o desempenho”, analisa a psicopedagoga Patrícia Bignardi, coordenadora pedagógica da escola Tarsila do Amaral, em São Paulo.

Geração nem-nem
Incentivar a motivação intrínseca, ou seja, aquela movida pela curiosidade natural, nas crianças é um desafio: os números mostram que a cada ano aumentam as chances dessas características espontâneas diminuírem ou se perderem pelo caminho. De acordo com dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um em cada cinco jovens brasileiros não estuda nem trabalha.

Claro que existem questões socioeconômicas por trás disso. Mas não podemos ignorar os fatores culturais. O professor Frédéric Guay, especialista em motivação na Universidade Laval, do Canadá, liderou uma meta-análise sobre motivação intrínseca e desempenho escolar desde a educação infantil até a universidade. Ele e sua equipe analisaram 344 estudos e uma amostra de mais de 200 mil crianças. Os estudantes analisados completaram um questionário que media diferentes tipos de motivação, e suas notas foram compiladas. Os pesquisadores descobriram que aqueles que obtinham mais prazer em estudar também tinham desempenho melhor, além de serem mais persistentes e criativos.

Mas aí vem a grande questão: qual é o melhor caminho para estimular o prazer de aprender e buscar os objetivos sem depender apenas de recompensas? Fomos em busca das respostas e encontramos, com a ajuda da ciência, de especialistas e de famílias, algumas ideias para manter o seu filho no caminho certo.

1. Uma casa repleta de amor
“Se existe uma palavra que é capaz de motivar qualquer criança nesse mundo é o amor”, garante a psicóloga Cristina Borsari, coordenadora de psicologia do Sabará Hospital Infantil (SP). A forma como ela aprende está permeada pelas relações de afeto. A atenção dos pais e dos adultos que cuidam dos pequenos é o maior incentivo para tornar qualquer momento especial, facilitar um aprendizado, engatar uma conversa e motivá-los a ouvir e participar. “Nada é mais sedutor para as crianças do que se sentir parte e ser prestigiado com o nosso amor”, garante Cristina.

Lembre-se disso – especialmente – diante das situações desafiadoras com seu filho, nos momentos de birra ou de cansaço extremo. Sim, sabemos que eles existem e nos colocam à prova muitas vezes, por isso, coloque o seu amor à disposição para tornar o dia a dia mais leve e, claro, motivador.

2. Espaço para o ócio
Acordar em cima da hora, colocar o uniforme ainda dormindo, muitas vezes, tomar o leite às pressas e sair correndo para a escola. Após a aula, tem natação, curso de inglês, dança, tarefa de casa e mais atividades.

Além do tempo passado na escola e gasto na realização da lição de casa, muitas crianças acumulam aulas extras. Sobra pouquíssimo tempo livre. E isso impacta profundamente o desenvolvimento infantil. “Estamos criando adultos menos criativos, mais robotizados, que precisam estar ocupados o tempo todo e que sentem que está sempre faltando alguma coisa”, explica a psicopedagoga Luciana Brites, cofundadora do Instituto NeuroSaber (PR).

Ter tempo para não fazer nada é essencial para que as crianças adquiram habilidades que vão fazer a diferença em toda a sua vida. Lidar com o tédio é uma delas. Quando não há atividades estruturadas, elas exploram o ambiente a partir de seus recursos, criando e aprendendo. No longo prazo, a imaginação e a criatividade desenvolvidas nesses momentos de vazio serão importantes tanto na vida profissional quanto na pessoal. Pois é desta forma que vão resolver problemas buscando soluções “fora da caixa” e se fortalecer para desenvolver seus próprios projetos.

3. Brincar livre
O brincar é essencial para o desenvolvimento pleno da criança, tanto que se tornou um direito garantido pela Declaração Universal dos Direitos da Criança, aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1959. Em 1988, a Constituição Federal reafirmou esse direito em seu artigo 227 e, em 1990, ele também apareceu no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Na casa do diretor comercial Rafael Cavalcanti, 38 anos, pai da Maria Fernanda, 5 anos, e da Beatriz, 2, a brincadeira é levada tão à sério que a família separou um ambiente para guardar os brinquedos. “A ideia foi boa, mas logo percebemos que havíamos cometido um grande erro. O que era para ser um lugar convidativo e inspirador se tornou um depósito de brinquedos amontoados. As meninas nem entravam lá. Um dia, retirei metade do que tinha e separei para doar. Reorganizei o espaço, privilegiando aqueles brinquedos desestruturados, que possibilitavam a criação de histórias e novas brincadeiras. Deu certo. Elas passaram a brincar mais e por mais tempo, inclusive sem a nossa intervenção”, conta.

“A verdade é que vivemos uma hipervalorização das coisas prontas, inclusive os brinquedos. As lojas estão repletas de opções que não oferecem possibilidades de criar para a criança. Basta apertar um botão para ouvir uma voz e pronto. Não sobra nada para ela imaginar ou inventar”, explica a psicanalista e psicóloga Denise de Sousa Feliciano, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). Diferente, por exemplo, da boneca de pano, que permite que a criança deposite todas as suas questões internas (de medos a sonhos) e solte a imaginação.

O brincar possibilita o desenvolvimento de uma relação de proximidade e confiança, dando espaço para que o pequeno se expresse, ressignifique suas vivências, elabore seus sentimentos e se sinta acolhido e integrado. Ou seja, um adulto seguro e autoconfiante em um breve futuro.

4. Voz ativa
Crianças aprendem a partir daquilo que fazem, experimentam e vivenciam. “Quando colocamos os nossos filhos em um lugar passivo, principalmente nos primeiros anos de vida, passamos a eles uma informação importante. Se o adulto faz tudo pela criança e não abre espaço de colaboração e participação até nas pequenas situações, como a troca de roupa, o banho ou a alimentação, ela passa a entender que não é capaz de conseguir fazer algo por si mesma”, explica a educadora Carmen. Isso se reflete em uma criança muitas vezes insegura, que espera que digam para ela o que e como deve ser feito, que determinem e ensinem até mesmo as atividades cotidianas.

Por isso, é fundamental abrir espaço para que seu filho tome a iniciativa, argumente, exponha seu ponto de vista. Para a analista financeira Aline Vanhey, 39 anos, tornar a filha, Nina, 7 anos, participante ativa da rotina da casa e da família foi uma decisão trabalhosa, mas muito acertada. “Dar voz a uma criança tira a gente da nossa zona de conforto de simplesmente tomar as decisões. É claro que eu também faço isso muitas vezes, por falta de tempo ou até de paciência, mas procuro sempre ouvi-la. Já recebi inúmeras críticas, mas, quando vejo minha filha segura de si, com liberdade de se expressar e realizar suas tarefas, percebo que estamos no caminho correto”, desabafa.

5. Contato com a natureza
Já dizia o poeta Manoel de Barros: “Nunca é tarde para aprender o idioma das árvores, saber as canções do vento nas folhas da tarde”. Pisar na grama, sentir a brisa entre as árvores, ouvir o barulho do mar. Quando estamos imersos na natureza, nosso coração e mente se acalmam. Esse respiro tem uma explicação científica. “Dentro de um universo fechado, mais tecnológico, tudo se torna mais acelerado e, então, acontece uma liberação maior de cortisol, o hormônio do estresse. Ao entrar em contato com a natureza, nosso corpo pausa o cortisol e passa a liberar serotonina, o hormônio do bem-estar”, explica a psicóloga Borsari, do Sabará Hospital Infantil.

Além da sensação de prazer, esse ambiente traz diversos estímulos que permitem às crianças explorarem e conhecerem o mundo ao seu redor, utilizando diversas habilidades valiosas, como a criatividade, a curiosidade, a atenção, a percepção, o pensamento, entre outras funções cognitivas. Esse estímulo permite que tenham experiências importantes para o desenvolvimento, como situações imprevistas e desafiadoras, que favorecem a resiliência – aquela habilidade que vai fazer toda a diferença, hoje e sempre, diante dos obstáculos que surgirem.

6. A arte da espera
Sabe de onde vem o prazer daquele jogo online que o seu filho adora e não quer largar? Uma das explicações está no imediatismo. Os pequenos não sabem esperar, muito menos observar a beleza dos processos – e essa falta de paciência está ligada ao desenvolvimento cerebral, que só termina no início da vida adulta. “Mais importante do que aquilo que a criança aprende são as lições que ela vive para aprender, ou seja, o valor da disciplina e do esforço, e não apenas o resultado”, explica a psicopedagoga Bignardi.

Diante da recusa para ir à aula de natação, a contadora Flávia Gregório, 40 anos, sentou-se para conversar com a filha Yasmim, 6. A menina explicou que estava frequentando as aulas de natação há duas semanas e ainda não havia aprendido a nadar. “Ela queria desistir porque, na sua concepção, estava demorando a aprender. Fui buscar exemplos do nosso dia a dia para que pudesse assimilar a trajetória que todas as coisas levam. Primeiro, juntas, fizemos um bolo e esperamos calmamente assar no forno. Mostrei as formigas carregando a terra para um formigueiro. Plantamos uma semente de feijão, analisamos as estações do ano e até mesmo os meses da gestação. Por fim, ela entendeu que o processo de aprender a nadar precisa existir como todos os outros”, revela a mãe.

Claro que não é nada fácil aplicar tudo isso na prática, especialmente no que diz respeito às novas tecnologias. Mas é preciso notar que, em excesso, o uso dos gadgets nos retira do convívio em família – e isso vale não só para os filhos como também para os pais. Em geral, os jogos nas telas não exigem uma postura protagonista dos pequenos. Mesmo que seja uma brincadeira interativa, a garotada fica muito passiva, apenas recebe o que já é proposto no aparelho.

Por essa razão, as telas são hoje um dos maiores obstáculos para a motivação. “Elas vêm completamente na contramão do que se espera que seja ofertado para um bom desenvolvimento das crianças e dos bebês. Deixam as crianças passivas, como se fossem espectadores do mundo”, alerta a educadora Carmen. O oposto do que queremos, não é mesmo?

7. Repertório variado
Os benefícios da leitura para o seu filho, você já sabe. Ouvir uma boa história estimula a imaginação, aguça a curiosidade e ajuda no desenvolvimento da linguagem, tanto escrita quanto oral. Além disso, se você prestar atenção nos olhos de uma criança que está ouvindo histórias, vai perceber que eles são ora de admiração, ora de medo e excitação. Isso acontece porque ela também está aprendendo a olhar para a própria realidade e a conhecer um pouco mais de si mesma por meio da história.

Por isso, é fundamental apresentar ao pequeno uma bibliodiversidade, ou seja, uma diversidade cultural aplicada ao mundo do livro, com acesso a obras de gêneros, autores, linguagens, estéticas e histórias variadas. “Crianças têm direito de se verem representadas e de conhecer outras formas de ser, de viver e de pensar. Esse repertório vai ajudá--las a descobrir o seu gosto pessoal, mesmo entre tantos estilos. É um jeito de mostrar que a vida não é só de uma maneira. Apesar de termos direitos iguais, somos pessoas diferentes”, defende a educadora Cristiane Rogerio, coordenadora pedagógica da pós-graduação O Livro Para a Infância, d’A Casa Tombada/Faconnect SP, e colunista da CRESCER.

Aumentar o repertório também inclui viagens, passeios ao parque, idas ao museu, cinema, teatro, exposições, feiras. Ao sair da rotina e viver experiências diversas, seu filho abre caminho para novas conexões cerebrais, emocionais e cognitivas. “A exposição à cultura, à diversidade, às novidades, tudo isso torna a criança mais viva, inteligente e engajada no mundo”, afirma o pediatra Daniel Becker, criador do portal Pediatria Integral (RJ).

Uma pesquisa da Ohio State University, nos Estados Unidos, publicada em 2019, mostrou que crianças entre 4 e 9 anos aprendem mais em curtos períodos de vivências reais do que em anos estudando apenas na teoria.

Como aplicar isso na prática? Ao decidir um passeio, por exemplo, façam juntos a pesquisa sobre ele. Lembra do valor de ensinar sobre os processos? Escolham o dia, o meio de transporte para chegar, que tipo de roupa usar, o que levar. Se for uma viagem, envolva seu filho na preparação do roteiro. O retorno para casa, com certeza, será cheio de aprendizados por meio das novas vivências.

É no dia a dia que a motivação e a curiosidade vão sendo nutridas, seja nas férias, seja na escola ou em casa. Tudo isso vai fazer diferença para o seu filho seguir em busca de seus sonhos e objetivos – ou até mesmo desistir de algum deles, quando for o caso. E principalmente, entender que mais importante que o destino final é a jornada.

Fonte: Revista Crescer